rascunho

Mari ☽
3 min readJul 13

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(em criação)

Diário de viagem: As palavras.

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I. Minas e o mar

II. As coisas que eu não sei o nome

III. O meu quarto

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I. Minas

-Então quer dizer que o mar é vivo, né?

Meu avô me perguntou, quando terminei de contar as minhas histórias da primeira navegação que fiz na vida. Ele nunca gostou de água. Toda vez que fomos na praia juntos, ele apenas olhava para o mar. Às vezes, colocava os pés. Raramente entrava para nadar. Ele nasceu na região do Vale do Jequitinhonha, lugar onde o único infinito é o céu. A água de lá corre entre margens. É rio.

Passei um tempo sem dizer nada, enquanto a sua resposta ao que eu contava preenchia a sala da sua casa. Ele entendeu tudo o que eu disse e, principalmente, o que eu não disse.

-Eu não entendo o motivo de você querer tanto fazer essas coisas. É perigoso demais. Fico aqui rezando para Santa Teresinha te proteger.

Minha avó revezava entre a curiosidade e o medo, enquanto me ouvia. Disse que nunca imaginou que alguma pessoa da família pensaria que viver no mar seria uma boa ideia. Disse também que torcia muito para que eu sossegasse logo.

Quando voltei para Belo Horizonte, depois de um mês longe, a casa dos meus avós foi um dos primeiros lugares que eu quis visitar. Tive medo de contar para eles sobre a minha viagem e eles não verem sentido. Porém, no fundo eu sabia que eles, ao menos, me escutariam. Haveria espaço para as minhas histórias e isso era o mais importante. Eu gosto da ideia de voltar, para falar com quem fica sobre o que foi vivido em um outro lugar.

Hoje, quando escrevo isto, já existe uma considerável distância (de alguns meses) entre o agora e o tempo do que tento contar aqui. Leio o meu diário para lembrar e corrigir lacunas que começam a surgir na minha cabeça. A primeira frase foi escrita no dia 03 de fevereiro.

“Esperei dois anos e quarenta dias para começar este caderno. Desde o primeiro momento em que o tive em mãos, eu soube a que ele se destinaria e não houve maneira de desobedecer essa intuição.

Tenho, agora, um problema. Saber que esperei todo esse tempo, desperta em mim a necessidade de uma introdução marcante, triunfal, porém, isso é impossível neste momento. Ainda não tenho intimidade com esse caderno. Essa é só a primeira página e a prova da minha timidez é que faço muita força com os meus dedos sobre a caneta cravada no papel, como se tentasse evitar algum erro — como se isso fosse possível.

(…) Já estou atrasada nos meus registros dessa viagem. Já faz tempo que ela começou. Mais precisamente, eu estava dentro do meu quarto, quando ela deu início.

Preciso ir. O ônibus está prestes a partir”.

Peguei um ônibus de BH para São Paulo, para no dia seguinte, descer para a Ilhabela. Uma semana antes da data de partida, eu recebi o convite do capitão do barco, Charlie, para tripular o veleiro Fernande, que partiria da Ilhabela para La Paloma, no Uruguai. Não tive tempo para pensar demais ou para me preparar para ir.

Levei na minha mochila uma corda de quase 1 metro, para aprender alguns nós, antes de embarcar. Durante boa parte do caminho na estrada, eu pratiquei o lais de guia, o fiel e o nó direito. Repetia os movimentos, de olhos abertos, de olhos fechados, com a mão direita, com a mão esquerda. Pensava na espessura dos cabos e nas situações pouco favoráveis em que eu poderia ter que manuseá-los. Enquanto isso, a senhora que estava no assento da janela, do lado oposto ao meu, me olhava confusa.

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